Reação e Adaptação da sociedade na época da ditadura militar
Quase ninguém quer se identificar
com a Ditadura Militar no Brasil nos dias de hoje. Sobre o período a memória
adquiriu uma arquitetura simplificada: de um lado, a ditadura, o reino da
exceção, os chamados anos de chumbo. De outro lado, a nova república, regida
pela Lei, a sociedade democrática. Embora tenha desaparecido gradualmente, em
ordem e paz, a ditadura militar foi e tem sido objeto de escárnio, de desprezo,
ou de indiferença, estabelecendo-se uma ruptura drástica entre o passado e o
presente, quando não o silêncio e o esquecimento de um processo, contudo, tão
recente, e tão importante, de nossa história.
A ditadura, a grosso modo, produziu
rupturas e desencadeou significativas alterações estruturais. Altas taxas de
crescimento, expansão do produto industrial, ampliação da malha viária,
mudanças na estrutura do emprego, fortalecimento do monopólio estatal na
infraestrutura de serviços básicos, nas áreas das telecomunicações, energia
elétrica, combustíveis. Em decorrência, patrocinou uma acelerada urbanização
que provocou, em curto espaço de tempo, um imenso deslocamento de massas
humanas, de uma ordem de grandeza pouco comum nos períodos normais da história.
Reproduziu-se de forma ampliada o
domínio oligárquico e, com ele, o agravamento de todos os nossos grandes
problemas sociais. A modernização autoritária provocou uma metamorfose que
acentuou, ampliando o seu grau de complexidade, o quebra-cabeças de peças
desencontradas da política brasileira. Muitas estruturas empresariais e
aparatos de poder, que estiveram no cerne da modernização autoritária e
sobreviveram a ela, adquiriram feição madura no contexto da colaboração
estreita com o regime militar. Depois, conseguiram transitar para o período
pós-ditatorial apagando as marcas mais evidentes deste pecado original.
Tais estruturas seguem
atuantes em várias áreas. Nos anéis tecno-burocráticos que constituem as
alavancas de poder político com os pontos fortes do poder privado, nas grandes
empreiteiras, no agronegócio, no sistema financeiro, na indústria cultural de
massas, nas forças armadas, nas polícias que utilizavam das armas para conter o
povo.
A vitalidade do
princípio-esperança
A cidadania, afastada do grande
debate político e impedida da livre manifestação de seus anseios, se viu
obrigada a retroceder até os limites mais elementares do tecido societário.
Esse recuo compulsório terminou por se constituir em espaço de muitas
descobertas. Nele, a sociedade civil desarticulada e “gelatinosa” se percebe
como reverso do autoritarismo. A partir deste ponto, começa um processo no qual
se resgata o sentido da construção de instrumentos de autoafirmação de uma sociedade
civil renovada.
Dotados de alto poder de contágio,
o pluralismo, a transparência e a autonomia com relação ao Estado e aos
partidos políticos, todos em choque aberto, não apenas com o concreto da
ditadura e também o duro autoritarismo foram elementos presentes na época.
Os novos agentes sociais
subversivos, aos poucos, passaram da negação e resistência para o impulso
positivo que projetou sua influência sobre o conjunto das práticas
políticas. O sindicalismo, por certo tempo, se renovou a partir das
comissões de fábrica. As associações de moradores se organizaram em praças,
revelando dimensões novas da cidadania. O feminismo deu os ares de sua graça,
como expressão de uma presença distinta da mulher na sociedade. As associações
de docentes provocaram transformação na estrutura de poder no interior das
universidades. Um surto de associativismo, cultural, ecológico,
anti-discriminatório, de luta por direitos dos sem-teto, sem-terra e tantos
outros. Enfim, uma onda de novos movimentos da variada natureza que
reconfiguraram a morfologia da estrutura social brasileira.
Foi de tal monta o impacto deste
conjunto de lutas que, com o esgotamento do regime autoritário, mudou o eixo do
debate sobe a questão democrática. Democracia de massas, democracia
direta, democracia de base, leituras diferentes para um mesmo fenômeno: a
emergência do que se chamou, na época, de “nova cidadania”.
A “transição intransitiva” e a
“cidadania desencarnada”
O movimento das
"Diretas-Já", com suas gigantescas manifestações de massas, apressou
a derrocada da ditadura e conduziu o quadro político para um patamar
novo. A emenda das diretas, no entanto, foi derrotada no Congresso. As
diretas não foram “já”, assim como a anistia não foi "ampla, geral e
irrestrita". O vetor resultante foi a escolha indireta de Tancredo
Neves, que, por sua vez, agonizou e morreu antes da posse. Com isso, a ampla
coalizão de veto ao regime militar foi hegemonizada, no governo Sarney, pela
Aliança Democrática, no cerne da qual se articulavam os setores mais moderados
da oposição e os segmentos recém-descolados do campo ditatorial.
A demanda por democratização
substantiva da sociedade não conseguiu se apropriar dos aparelhos políticos do
Estado. Com isso, a transição se definiu como "intransitiva" e seu
ponto de chegada, remetido para além da linha do horizonte, é uma maratona sem
fim. A “nova cidadania”, que foi protagonista de acontecimentos grandiosos,
envelhece aos poucos como uma realidade apenas virtual. Opera por surtos,
combina fugas, mas não consegue lugar no corpo degradado da política.
Na greve de junho do ano passado,
a presença massiva do povo nas ruas voltou a assustar os “donos do
poder”. A aspiração por mudança, recoloca o debate da política sob o
signo da incerteza. Neste quadro, a data redonda, meio século de uma
“viagem redonda”, atualiza a reflexão sobre o conflito entre autoritarismo de
matriz oligárquica e presença ativa do povo política. O padrão de mudança que
restaura o domínio das oligarquias, que gerou a ditadura e, depois, aprisionou petistas
na lógica conservadora, volta a ser reposta como questão essencial pelas
demandas do presente. E é, também, uma das razões do retorno apaixonado aos
idos de março e aos acontecimentos que marcaram os tempos do “Abaixo a
Ditadura!”
Novilhos:
Tiago Rocha Michel Moreira Thiago Cristofolini
Thales Platon Luiza Beck
Lucas Ibelli Jullia Pontes
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